sexta-feira, fevereiro 15, 2013

Romeu Arêde, o "Picareta"

Romeu Arêde
"Um Romeu apaixonado que o carnaval consagrou como Picareta". Em janeiro de 1918, os ‘apaixonados’, que haviam constituído um bloco (agremiação recreativa), realizavam, no dia oito, um ‘carruscuba’, baile à fantasia, e os anúncios aparecidos nos jornais eram firmados por Picareta. Tinha ele o cargo de secretário do agrupamento e, consoante a tradição momística, seu nome civil — aquele que foi dado e ficou constando dos documentos — deveria, sempre, nas manifestações foliônica, ser relegado. Romeu Arêde, embora sendo a mesma pessoa, tinha uma característica grave e só aparecia em assuntos sérios, importantes, isentos ao contágio carnavalesco.

Assim, nos idos de 1920, ao se iniciar no jornalismo em A Pátria como auxiliar do K. Noa (Antonio Velloso), cronista de Carnaval desse matutino, já era com o apelido de Picareta que aparecia no noticiário. Sendo um ‘apaixonado’ (ainda que apenas carnavalesco), seu nome Romeu, legítimo, confirmado no batismo religioso, seria propício, ou ‘a calhar’, se preferirmos a prosódia lusa. Mas, habilidoso, sabendo meios e modos de conseguir, de cavar as coisas, sugeriu, fácil e intuitivamente, a ferramenta que lhe serviu de alcunha. Ficou sendo Picareta entre os companheiros do bloco e, depois, consagrado nas lides da imprensa e do Carnaval.

Batizado no ‘ninho dos suspiros’

Quando, em 31 de dezembro de 1914, alguns carnavalescos fundaram o Bloco dos Apaixonados e o instalaram na Rua Senador Pompeu nº. 128, ao mesmo tempo em que adotaram as cores branco e roxa denominaram a sede ‘ninho dos suspiros’. Observavam a praxe estabelecida pelos coirmãos: os Fenianos recreavam-se no ‘poleiro’, os do rancho Flor do Abacate no ‘galho’ etc., etc. Romeu Arêde, funcionário da já naquele tempo malsinada Estrada de Ferro Central do Brasil, integrando-se entre os ‘apaixonados’ deveria, também, como seus companheiros Patuscada, Papagaio, Cavaignac e outros, ter apelido.

Escolhida a alcunha e tornada usual — pois no bloco ninguém mais ousava chamá-lo Romeu — faltava, no entanto, proceder-se ao ritual galhofeiro do ‘batismo’. Profana, com o estourar de uma garrafa de champanha cujo líquido se deixou propositadamente molhar fartamente a cabeça de ‘pagão’, essa solenidade se realizou durante um sarau dançante. Na noite de 6 de outubro, quando o baile, animado pelo pianista oficial do bloco, Jayme Arêde (irmão de batizado), atingia ao auge, ela ocorreu. Estava presente o Vagalume (Francisco Guimarães) e, em justa homenagem — pois além de representar o Jornal do Brasil era ele um dos baluartes da crônica carnavalesca — escolheram-no como paraninfo (padrinho).

Na imprensa a serviço de Momo

Renunciando à sua qualidade de ferroviário, Romeu Arêde dedicou-se inteiramente ao jornalismo. Em 1922, com o aparecimento do vespertino Vanguarda, o pseudônimo Picareta estava em suas páginas na coluna dedicada ao Carnaval. Tinha, desde então, a qualidade de titular e trazia para o bom desempenho, aliada à sua militância de ‘apaixonado’ carnavalesco, a prática que adquirira como auxiliar do K. Noa no diário fundado por João do Rio. Proporcionava aos leitores ocasionais de sua página e aos que interessados nos festejos de Momo eram assíduos, um noticioso vasto, detalhado, ao qual se juntavam croniquetas chistosas e ferinas.

A par de sua atividade jornalística promovia e incentivava realizações animadoras do Carnaval tais como batalhas de confete bailes e competições. Tornava-se em pouco tempo um dos maiorais dividindo com seus colegas Vagalume, K. Noa, Raboje (do Jornal do Commercio), Barulho (de A Noite), e Fofinho (do Correio da Manhã), o estrelato da crônica carnavalesca. Filiando-se à Turma dos Cronistas Carnavalescos, mais tarde dela se desligava e fundava o Centro de Cronistas Carnavalescos onde ocupou vários cargos em sua direção. Com tão expressivo cartel, foi ele escolhido para substituir no Jornal do Brasil, em 1930, Ephraim de Oliveira (o Meúdo), sucessor do já citado Vagalume. Afora o prestígio que lhe dava a tradição carnavalesca do veterano órgão, Picareta passou então a dominar, graças, principalmente, ao fato de ter coluna permanente para cuidar de recreativismo durante todo o ano.

Carnaval sem cronistas de ofício

Em maio de 1941, precisamente no seu segundo dia, Picareta falecia num leito do Hospital Gaffrée-Guinle, deixando nome e pseudônimo inteiramente ligados ao Carnaval carioca. Sepultado no cemitério de São Francisco Xavier, teve presente ao seu enterramento numerosa assistência composta por muitos daqueles ‘apaixonados’ com os quais formou um bloco e por gente que com ele folgou nos dias do reinado de Momo. E, por significativa coincidência, a despedida que à beira de sua campa faziam seus amigos e admiradores teve como intérprete Antônio Velloso (o K. Noa), o colega que o iniciara no jornalismo vinte anos antes.

Hoje, a valorização do espaço, a reformulação do espírito carnavalesco e outros fatores facilmente identificáveis, levaram a imprensa a restringir a assistência ampla e constante que dava ao assunto Carnaval. Desaparece ele de suas páginas por quase todo o ano e só nos primeiros meses, os que foram chamados ‘pródromos da folia’, reaparece como noticiário informativo apenas, isento de glosas e galhofas. Conseqüentemente os cronistas carnavalescos de ofício, morrendo quase todos, não tiveram continuadores. Justo, portanto, recordar-se um deles, que se chamava Romeu, foi ‘apaixonado’ e consagrou-se como Picareta.
(O Jornal, 11/07/65)

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Fonte: Figuras e Coisas do Carnaval Carioca / Jota Efegê: apresentação de Artur da Távola. —2. ed. — Rio de Janeiro: Funarte, 2007. 326p. :il.

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