segunda-feira, fevereiro 25, 2013

O primeiro Momo do Carnaval carioca

“Depois de ter sido boneco, Momo passou a ser gente e vai ter carteira de saúde”.

Deus zombeteiro, pândego, amante da galhofa, filho do sonho e da Noite, e que por seu comportamento irreverente foi expulso do Olimpo, como informa a mitologia, Momo é representado levantando a máscara e tendo na mão o cetro da soberania. Foi exatamente assim que o caricaturista Henrique Fleiuss o figurou em 1862 na sua Revista Ilustrada.

Muitos anos mais tarde, em maio de 1913, quando se exibia no Circo Spinelli, no boulevard 28 de Setembro, a peça Cupido no Oriente, o famoso palhaço negro, além de ser o autor interpretava o papel do ‘galhofeiro Momo’. Apresentado em traço caricatural, feito personagem teatral num picadeiro e depois concebido como ‘rei’, o carioca resolveu trazer esse alegre ‘monarca’ para presidir os festejos carnavalescos. Primeiramente exibiu-o como um boneco de papelão, que desfilou pela nossa principal avenida aclamado e alvejado por serpentinas. Depois, em carne, osso e gordura, fez igual passeio e teve a mesma recepção festiva.

Agora, neste expirante 1967, após o ‘soberano da folia’ ter sido encarnado por turfista, pasteleiro, jornalista, publicista e até agente funerário, a lei nº 1.455, de 12 do mês findo, dá-lhe foro oficial, conforme dispõe em quatro artigos e parágrafos. Teremos, já no próximo Carnaval, um Momo com 100 quilos (ou mais), medindo o mínimo de 1 metro e 65 centímetros e maior de 21 anos (sem exceder os 50).

Juntando-se ainda ao rol das exigências “ser portador de reconhecida idoneidade moral, exercer qualquer função condizente com a dignidade humana” e “apresentar atestado de saúde recente”, afora “possuir espírito carnavalesco comprovado”. Requisitos não muito fáceis de atendimento total, capazes de provar quanto custa a um ‘rei’, mesmo de brincadeira, pôr uma coroa que o sambista afirma “não ser de ouro, nem de prata, mas de simples lata”.

Nasce um ‘rei’

O primeiro Rei Momo não nasceu em maternidade alguma. Sua delivrance aconteceu na praça Mauá dentro da redação de A Noite em janeiro de 1933. Vasco Lima, gerente do movimentado vespertino, Fritz (Anísio Mota), caricaturista e mais o Palamenta (Edgard Pilar Drummond), cronista de esporte, e de Carnaval, foram os criadores do ‘monarca’.

Francisco Moraes Cardoso, redator de turfe, altão e gorducho, ao ser convidado por Vasco para representar Momo ao vivo topou prontamente a idéia. Como, devido ao volume do escolhido ‘rei’, não encontrassem em A Bola de Ouro (que alugava fantasias e roupas de gala) indumentária capaz de acondicionar altura e gordura do ‘soberano’, Fritz incumbiu uma costureira de teatro de confeccioná-la.

Na noite de 18 de fevereiro de 1933, Moraes Cardoso figurando com vistoso vestuário (inclusive coroa e cetro) S.M. Rei Momo, Primeiro e Único desembarcava com grande solenidade do vapor Mocanguê, alegando estar chegando de um país imaginário. O numeroso povo que A Noite em sucessivas notícias (escritas pelo hoje ‘imortal’ Raimundo M. Junior e pelo Palamenta) fez convergir para a Praça Mauá, com vivas e palmas recebeu calorosamente aquele que vinha reinar em nosso Carnaval.

Dali, Rei Momo refestelado em bonito carro a Daumont (que muitas vezes servira ao barão de Rio Branco e fora trazido de Petrópolis por Vasco Lima) rumou pela avenida Rio Branco num grande cortejo sempre sob aplausos entusiásticos. Estava então criado a personagem real que desse ano em diante veríamos presente em toda a temporada carnavalesca pontificando nos bailes, participando dos desfiles. E, como é natural, dando autógrafos, lançando proclamações folgazãs, designando-se na primeira pessoa do singular: “Eu, Rei Momo, resolvo, determino, ordeno...“

Outros ‘reis’ nasceram

Com a morte de Moraes Cardoso, depois de ter sido durante alguns anos Rei Momo, em companhia de seu secretário Pipoca (o ator Henrique Chaves) firmou-se a tradição no Carnaval carioca da continuação da figura do ‘soberano’. Sucederam-no, portanto, novos ‘reis’, dentre os quais Gustavo de Matos, Nelson Nobre, Joaquim Menezes, Abrahão Haddad e outros. Todos eles apresentaram como característica principal para a personagem a gordura e relativo espírito carnavalesco. Procuraram também observar o desembaraço e a movimentação necessária a um ‘monarca’, que, muito solicitado, tinha de participar de todos os eventos da época sob seu reinado. Agora, depois de haverem reinado vários Momo, eleitos ou escolhidos sem formalidade alguma, vai-se entronizar um oficialmente e até com atestado ou carteira de saúde.

Entregue a eleição do futuro Momo a cinco juízes que, em comissão, vão verificar o exato cumprimento do determinado na lei aludida, espera-se não apenas um ‘rei’ barrigudo (100 quilos) e alto (1m65). O importante e, parece, mais difícil, será a comprovação do ‘espírito carnavalesco’, coisa bastante rara no Carnaval destes últimos tempos, carente de humorismo, de galhofa, sem críticas e glosas nas suas realizações e muito preocupado com luxo e alegorias.

Foliões do estofo de um Roxura, Gostoso, Morcego, Peru dos Pés Frios, Jamanta, Mirandela, Bicohyba, Caribé, Chaby e mais alguns, já não existem. K. Veirinha e Chico Brício (do Bola Preta), Júlio Silva (do Bloco Eu Sozinho), Braguinha e poucos comprovadamente carnavalescos, na certa não terão interesse em ser Rei Momo sob medida do peso, de altura e com carteira de saúde. E teremos, ao que se prevê, um ‘rei’ de quase dois metros, gordão, saudável, mas de ‘espírito carnavalesco’ precariamente comprovado. 

(O Jornal, 19/11/67)
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Fonte: Figuras e Coisas do Carnaval Carioca / Jota Efegê: apresentação de Artur da Távola. —2. ed. — Rio de Janeiro: Funarte, 2007. 326p. :il.

O confete surge no Carnaval

"Quando o confete surgiu formaram um trust para valorizar o preço".

Antes havia o entrudo. Era brutal, grosseiro. O Paiz, numa resenha de quarta-feira de cinzas, referente aos festejos carnavalescos de 1885, contra ele se manifestava a 18 de fevereiro condenando-o com veemência. Escrevia, então: “O entrudo, com a sua brutal expansão, perturbou ainda a ordem dos folguedos, estragando as roupas mais custosas e cuidadas e provocando desordens e rixas”.

E prosseguia mostrando a violência daquilo a que chamavam divertimento: “Os amadores mais apaixonados não se contentavam com os limões de qualquer diâmetro, era aos baldes d’água que brincavam”. Gracejo estúpido, selvagem, pois, como concluía o jornal, “algumas ruas ficaram completamente alagadas com o aguaceiro caído sobre os que por elas tiveram a infelicidade de passar”.

Assim, quando as autoridades atendendo aos reclamos de toda a imprensa e da maioria da população proibiram terminantemente o absurdo recreativo, os aplausos vieram de todos os lados. Surgia também, poucos anos depois, um acessório gracioso para animar os festejos de Momo na metrópole carioca: o confetti, grafado, com dois tês, na fidelidade que se prestava à sua procedência parisienne.

Isto em junho de 1892, quando foi realizado o Carnaval (transferido da época própria devido à febre amarela), e o aparecimento dos papeizinhos multicores foi saudado efusivamente. Logo, os comerciantes, que jamais dormiram no ponto, viram na novidade um meio de aumentar o faturamento. Formaram um trust, ou sindicato, como se dizia quando a pletora de americanismos ainda não vingara em nosso linguajar para explorar a venda do novo produto carnavalesco.

Monopólio ou sindicato ou trust

Chegado ao Brasil como art nouveau, como o chique da festa carnavalesca e classificado pela imprensa de “inocente brincadeira, muito agradável e elegante”, os comerciantes que o importaram atraíram vultosa freguesia. Alguns o vendiam a 2$000 (dois mil réis) o quilo. Outros cobravam mais e justificavam que seus confetti eram “parisienses genuínos, de variadas cores políticas, sem areia, nem salicilato, nem papéis de jornais”. Justificavam com esse esclarecimento o seu preço de 3$000 e ao mesmo tempo deixavam claro que alguns concorrentes adicionavam corpos estranhos ao produto possivelmente não legítimo, não genuíno de Paris. Tudo no ambiente competitivo do meio, caracterizando aquele tempo a hoje tão propalada ‘livre iniciativa’ e quando nem se sonhava com as malsinadas Cofapes, Cecepés, Sunabes e quejandas administrando operações mercantis.

Não satisfeitos com a crescente procura que o artigo tinha, os comerciantes tentavam mais ganho. Surgiu, portanto, no aludido O Paiz, de 21 de junho do ano citado, ao lado de uma notícia de que “diversos grupos pretendem fazer batalhas de confetti, como em Paris e Nice, hoje, à tarde, entre as ruas do Ouvidor e Teatro”, nova denúncia. Tinha o título “Não Dormem”, e dizia: “Acha-se em vias de formação uma companhia com o capital de 1.000 contos para explorar os confetti no próximo Carnaval. Mil contos!”

Isto, porém, não era tudo. O mais grave aparecia em outro suelto, sempre no mesmo matutino e em igual data: “Consta ter sido formado, ontem, um sindicato para comprar todos os confetti parisienses existentes no Rio de Janeiro para aumentar o preço. Se tal acontecer façam greve os compradores. Olho vivo”. Tinha-se, desse modo, o Carnaval através do gracioso confete propiciando o monopólio, o sindicato ou o agora chamado trust.

Restrição, minguante, sumiço

De grande procura em 1892 quando se assinalou seu aparecimento no Rio ao mesmo tempo que nas cidades européias, o confete, já com a grafia abrasileirada, chega aos nossos dias mas sem o domínio de outrora. Agora ele vem rareando e já não acontece — como nos fala Eneida em sua História do Carnaval carioca — “a Rua do Ouvidor e as adjacências ficaram, em alguns pontos, como verdadeiras alcatifas de confete de 30 e mais centímetros de espessura”. Os arremessos que antes se faziam fartos, as mãos transbordantes, são agora parcos e caem sobre os alvejados como chuvinha miúda, quase permitindo que se identifique as cores e a quantidade numa conta exata e capaz de não ultrapassar duas ou três dezenas.

De origem discutida, uns dão a Itália como sua procedência e ligam-no ao termo "confetto", ao mesmo tempo que consignam a invenção a Ettore Fenderls, falecido em novembro último na cidade de Vittorio Veneno, na Itália, com 104 anos. Outros a contestam e apontam o comerciante francês Le Malin Cassin como o criador da novidade. Há mais a afirmativa de Morales de los Rios reivindicando para a Espanha a procedência e dando-lhe o nome simples e intuitivo de papelillos ao mesmo tempo em que surge o abrasileiramento papelinhos ou papeizinhos para uso correntio.

O certo é que o confete surgiu no Brasil como parisien, servindo de arma graciosa para batalhas e provocando a gula de comerciantes ávidos de um faturamento abundante. Objetivo que conseguiriam unindo-se em um sindicato, ou falando modernamente, formando um trust.
(O Jornal, 22/01/67)

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Fonte: Figuras e Coisas do Carnaval Carioca / Jota Efegê: apresentação de Artur da Távola. —2. ed. — Rio de Janeiro: Funarte, 2007. 326p. :il.