quarta-feira, dezembro 18, 2013

Dois apitos: Joubert de Carvalho

Vida do compositor e médico Joubert de Carvalho, e linda sua declaração sobre a "Medicina" e a "Música". Nasceu em Uberaba, MG, em 6/3/1900, nunca bebeu, nunca foi boêmio, bares e botequins jamais o atraíram. 

Homem culto e refinado, foi muito talentoso e um dos pioneiros no Brasil em Medicina Psicossomática. Como músico é autor de mais de setecentas composições. Morreu no dia 20/9/1977, vítima de pneumonia, deixando importante legado para a MPB. À seguir, uma reportagem da CARIOCA de 1935.

"Joubert de Carvalho anda agora um pouco esquivo no meio radiofônico. Consequência da avalanche de músicas carnavalescas? Ou será que o autor de “Volta para o meu amor” e “Ta-hi” anda brigado com a música? Joubert de Carvalho, além de compositor, é também médico. Dedica-se a uma especialidade interessante: pulmão e coração. De coração, já se sabe que ele entende mesmo. A prova:

Ta-hi,
Eu fiz tudo pra você gostar de mim,
O’ meu bem, não faz assim comigo, não,
Você tem, você tem,
Que me dar seu coração.

Joubert de Carvalho desde esse tempo mostrava sua predileção pelos segredos do músculo vital. Daí passar aos pulmões foi um nada. Ele faz parte, assim, dos que tocam “dois apitos”. Os seus dois apitos são igualmente nobres: a Medicina e a Música. Se uma doente rebelde não melhora com uma injeção de “digitalis”, o musicista entra em cena e aplica, ao piano, uma canção. . . E’ a conta.

CARIOCA procurou descobrir o segredo da atividade de Joubert de Carvalho. Entre duas consultas, conseguimos abordá-lo. Uma pergunta, duas, três. E as respostas foram surgindo.
Não, a fonte de produção de Joubert de Carvalho não estancou. Apenas o jovem compositor está se dedicando a um gênero mais esmerado de arte. Em vez de compor coisas de sabor acentuadamente popular, para as multidões, está agora fazendo canções de delicada inspiração, verdadeiros poemas musicados. São dessa fatura “Teu retrato”, “Entre nós dois”, “Fui eu o seu primeiro amor” e outras composições.

— A música lhe tem prejudicado o exercício da Medicina, ou tem a clínica perturbado sua atividade artística? — perguntamos.

Joubert, o médico
— Muito pelo contrário — respondeu Joubert de Carvalho. — O exercício da Medicina exige um complexo científico em que a observação e o tino clínico assentam base no desenvolvimento artístico e psicológico. A arte é a maneira mais eficiente de nos conduzirmos ao caminho da verdade. Por seu intermédio é que pressentimos as leis profundas que determinam a razão das coisas. E’ uma intuição que margeia todos os fenômenos da vida, para o seu desenvolvimento ideal, que atinge ao seu ponto culminante, quando a inteligência sublima as suas atividades nesse sentir.

Continua Joubert:

— A Música, por excelência, faculta-nos melhor compreensão da vida, porque dela se arrebata, para nos fazer senti-la numa forma espiritual elevada pelo sonho, eternizando-a pelas suas consequências. A vida de um Chopin, de um Beethoven, de um Mozart, de um Schubert sentimo-la pelas suas músicas de todos os dias e nos beneficiam para o encantamento da alma. Ela excita e educa a sensibilidade muitas vezes embotada pelas exigências materiais da vida. Sua influência para a sutileza da percepção na acuidade auditiva aperfeiçoa o ouvido do médico para penetrar na intimidade mais profunda dos fenômenos que acometem o coração e os pulmões, órgãos que acusam enfermidades por ruídos particulares. E’ por isso que dela não me afasto. E se de um lado me aproxima da verdade em um diagnóstico, pela audição acurada, de outro me afasta da matéria pelo transporte às regiões infindas e sublimes do sonho, que a melodia cria na magia dos sons.”


Fonte: CARIOCA, novembro de 1935.