domingo, janeiro 12, 2014

Nássara, o marido de Eva

No Carnaval de 1935, houve uma marcha, lançada nas vésperas, que conseguiu obter um sucesso até então nunca visto. Denominava-se: “Eva querida” e foi cantada e dançada por todos os “cordões” e “ranchos” que existem no Rio de Janeiro. O seu estribilho ainda está presente no ouvido de todos e nem vale a pena rememorá-lo aqui.

O que é preciso saber é que, na marchinha de Benedito Lacerda, a Eva andava sozinha pelo mundo... Faltava-lhe um companheiro.

Nássara, este ano, candidatou-se ao título. Fez o “Marido da Eva”, que é uma feliz resposta à marcha absoluta de 1935.

O curioso, porém, é que o marido da primeira mulher que existiu no mundo não é o tal Sr. Adão...

Há quatro anos atrás, surgiu o Nássara-compositor. Até então, havia o Nássara-caricaturista, autor de ótimas “charges” e capaz de ombrear com os melhores caricaturistas que o Rio tem possuído: Crispim do Amaral, Calixto, Bambino, Amaro...

“Formosa” denominava-se a música que lançou Nássara no meio dos compositores. Tem uma longa história esta música que foi das mais populares do Brasil. Nássara tinha-a pronta, desde maio de 1932. Não se animava porém, a publicá-la. Conhecedor do meio radiofônico, onde sempre tinha vivido, ele a achava fraca. Nas “rodas do samba” de Vila Isabel, era, porém, a marchinha sempre a que obtinha mais sucesso. Uma noite, Francisco Alves ouviu-a e resolveu lança-la no Carnaval de 33. O resultado foi o que se viu...

Animado com o seu sucesso, em 1934, apresentou ao Carnaval: “Tipo 7” e “Maria Rosa”. A primeira venceu o Concurso da Prefeitura e a outra o “Concurso das Ruas” ...

No ano passado, não teve desfalecimento sua boa estrela. Lançou três músicas e obteve, novamente, o prêmio no Concurso da Prefeitura. “Coração ingrato” foi a marcha triunfante e “Uma lourinha” e “Garota colossal” que foi, injustamente, perseguida eram as outras duas.

E este ano?

— A minha atividade em 1936, sobrepassa tudo o que tenho feito até agora. Apresento, para este Carnaval, sete marchas: “O marido da Eva”, “A. M. E. I.”, “Cadência”, “Vou de caravela”, “Quisera amá-la”, “Você é quem brilha” e “Uma portas e uma janela”. Creio que com tantas produções, uma delas deve cair na preferência do público...

— De todas, qual é a que lhe inspira mais confiança?

— “A. M. E. I.” que fiz de parceria com E. Frazão, meu companheiro de “Coração Ingrato”. “A. M. E. I.”, que dediquei à CARIOCA, tem uma letra sentimental, como é do gosto do povo:

A. M. E. I., quer dizer amei, amei
S. O. F. R. I., quer dizer sofri, sofri
Que pena o alfabeto não ter
Letras pra gente escrever
Tudo aquilo que eu senti por ti, por ti

Eu nunca tive professor
Para me ensinar o verbo amar
Aprendi o A B C do meu amor
Na cartilha azul do teu olhar.

Quando eu te dei meu coração
Não podia nunca imaginar
Que existisse a palavra — Ingratidão
Na cartilha azul do teu olhar.

— É necessário dizer, — prosseguiu Nássara, que eu sou francamente da “fonética”.

— E as outras?

— O “Marido da Eva”, creio que pode fazer sucesso. Tem um estribilho curto e presta-se muito para “cordão”. “Cadência”, que fiz com Lamartine, e é uma paródia à “Valência”, também pode agradar. Nestas três, tenho as minhas maiores esperanças...

— Acha que pode vencer ainda este ano o Concurso da Prefeitura?

Nássara sorriu e retrucou:

— Creio que não disputarei este ano o título, pois, embora vencedor, tenho estado sempre em contradição com o resultado. Venci com “Tipo 7” e abafei com “Maria Rosa”. No ano passado, “Coração ingrato” venceu e “Eva querida” foi a mais cantada. Não quero, porém, dizer que não disputarei o concurso. Depende do momento...

— É verdade que vai abandonar a música popular?

Nássara já estava de chapéu na cabeça, pronto para sair, quando se voltou:

— Em princípio, tive esta ideia. Estou cansado... É verdade porém que, até o Carnaval de 37, há um ano de intervalo. Em 365 dias, temos muito tempo para mudar de opinião. Suponho que eu mude de ideia, uma vez por semana, como o ano tem 52 semanas, eu posso ter 52 ideias diferentes. Ora, supondo...

Nássara, não pode concluir: de todas as mesas da redação já estavam voando tinteiros, livros, jornais, que procuravam atingir o popular autor de “Formosa” ...


Fonte: CARIOCA, de 8/2/1936 (foto do compositor-caricaturista Nássara e texto atualizado).