terça-feira, janeiro 21, 2014

O pai do rádio brasileiro

Roquette Pinto
Em outubro de 1936, um gênio que fez o Brasil inteiro escutar, através do milagre do rádio, as notícias, os jeitos, as modas e bossas do antigo Distrito Federal, o Rio de Janeiro, foi  justamente homenageado.

“As crônicas de CARIOCA, irradiadas na PRE-8, Sociedade Rádio Nacional, lá se tornaram uma das atrações intelectuais mais brilhantes do nosso “broadcasting”. Essas crônicas, traçadas pelo espírito ágil e moderno de Genolino Amado, abordam, sempre, assuntos de expressiva significação espiritual.

Comentando a doação da Rádio Sociedade Brasileira ao governo a crônica CARIOCA da PRE-8, prestou justa homenagem a Roquette Pinto, o “pai do rádio brasileiro”, irradiando estas palavras cheias de calorosa simpatia:

“Nesta boa noite que a vida carioca está vivendo, uma nova alegria deve encher de festa o coração dos que escutam, na doçura dos lares, a música e a palavra das estações de rádio da cidade. É que hoje eles podem agradecer, na homenagem a um nome ilustre, o presente sonoro que todos os dias recebem dos estúdios do Rio, no milagre da radiofonia, esse prazer que só a existência moderna conheceu, essa força de cultura e de consolo que é o repouso artístico de todas as fadigas humanas da atualidade.

Foi num claro dia de sol, como o de hoje, que nasceu para uma vida toda cheia de pensamento e de ação o homem sábio e construtor que trouxe para a capital brasileira a difusão cultural que o país ainda não conhecia de ouvir. Faz anos o Professor Roquette Pinto, a quem já se deu o título justo de “Pai do rádio brasileiro”.  E o “broadcasting” nacional ainda se orgulha dessa honrosa filiação que lhe traçou um destino de constante aperfeiçoamento e de permanente fidelidade aos interesses belos da vida, dentro da Pátria e no mundo em que a nossa terra se apresenta como uma das suas novas e grandes esperanças.

A radiofonia brasileira não deve esquecer o exemplo do espírito paterno que a criou. Porque Roquette Pinto representa, neste país, um modelo da inteligência que cultiva ao mesmo tempo a verdade científica e o sonho da poesia, que ama o passado, cujos segredos estuda e revela, e se enamora das coisas modernas, de que a se fez, tantas vezes, o iniciador em nossa terra.

Roquette Pinto discursando, numa foto do semanário Carioca, de Outubro de 1936
Roquette Pinto viu no rádio um instrumento de educação. E para educar os ouvintes foi que fundou a primeira estação transmissora do Brasil. Depois de tantos de anos de lealdade perfeita à sua iniciativa, só a terminou, na confirmação melhor da sua ideia: dando essa estação ao governo, para servir à obra educativa do país.

Entregou a filha mais velha ao Brasil. Mas, ao separar-se dela, a saudade de vê-la um pouco mais longe do seu afeto e do seu cuidado não é compensada apenas pelo conforto de saber que ela continua a ser agora, mais do que nunca, como ele sempre quis que ela fosse. O “Pai do rádio brasileiro” tem ainda o estímulo de contemplar as filhas mais novas, irmãs mais poderosas, mais jovens, daquela que foi a primeira e que primeiro recebeu o alento da sua inteligência criadora.

E a Rádio Nacional, a última a aparecer no Rio, quer os seus sons de hoje sirvam também para saudar o homem de sabedoria brasileira que plantou a primeira semente para que pudesse florescer e frutificar agora a grande árvore da radiofonia brasileira. E que dela caiam as flores mais novas sobre a cabeça do bom semeador”.


Fonte: CARIOCA, de 3/10/1936.

O sonho de Marília Batista

Marília Batista - Outubro/1936
"Os sambas de Marília Batista são diferentes dos outros. Tem um ritmo especial, que a voz cadenciada e grave da "estrelinha" carioca, sabe fazer sobressair. Eles contam histórias tristes, de morenos bonitos que foram embora e não voltaram. Contam as desilusões das meninas românticas que esperam alguém que não vem mais. E ainda têm tanta coisa que contar ...

Marília tem um gênero de samba seu: são pessoais. Refletem na melodia, o sentimento de seu coração. E um pouco de sua alma quase infantil vai pelo microfone, através das ondas sonoras, alegrando e distraindo os seus inúmeros fãs, quando canta as suas composições, ou dos irmãos.

No programa Casé, procuraram, certa vez, dar a Marília um título de nobreza que se relacionasse com o samba. Acharam que "Rainha", seria impróprio, em virtude da pouca idade da "estrelinha" da PRE-8. Rainha sugere logo uma figura cheia de preconceitos e austeridade coisas que em absoluto, se pode encontrar na personalidade amável e graciosa de Marília.

Chamaram-na "Princesinha do samba", título amável e de acordo com o temperamento dela. "Princesinha", significa muito. Significa que um dia, Marília tomará em suas mãos, o cetro da nossa música popular. Será a Rainha. E, da maneira em que vamos, este dia não se encontra muito distante ...

O samba para Marília é tudo. É o seu ideal. Vive para ele. Pensando nele, há vários anos, vem ela estudando no Instituto Nacional de Música. Lá, tem procurado aprender, ver o que os outros tem feito com suas músicas, afim de um dia, conseguir fazer o mesmo com a nossa.

Ela tem uma quantidade enorme de lindos sonhos, acerca do futuro do samba. Já o vê, aclamado em todo o mundo, cantado e dançado, por todos os seres que povoam o universo e penetrando com a sua cadência morena, nas regiões estranhas do globo, esquentando com seu ritmo ardente os gelos do Polo Sul e os invernos da Sibéria ...

Marília acha que tudo isto é possível e se alguém procura contradizê-la, um sorriso de mofa surge nos seus lábios. Ela acredita no samba. Acha, porém, que necessitamos trabalhar por ele. Temos todos, que cooperar um pouco, para o seu futuro. E tem um juramento consigo própria: trabalhar pela nossa música. Para isto pretende organizar uma orquestra, apresentar músicos de nomeada, artistas famosos que saibam "sentir" os ritmos soberbos do samba.

Ela quer fazer orquestrações ricas, cheias de vivacidade e melodia, capazes de figurar com êxito em qualquer país civilizado ou não. Quer fazer com que o samba atravesse as nossas fronteiras, invadindo o mundo, como o fizeram o tango e o foxtrote, pois ela sabe que levando o samba ao mundo, leva o Brasil ...

Este é o sonho de Marília Batista. Sonho lindo, cheio de cores ricas e enfeites vistosos, acompanhados ao longe, muito ao longe, por uma cadência conhecida e tão do agrado de seu ouvido — um samba ..."


Fonte: Artigo e fotos da CARIOCA, de 3/10/1936.